Diante de críticas e levantamento de questões controversas em relação à liderança religiosa, há quem prefira relegar a importância dessas discussões, alegando o princípio de “não tocar no ungido do Senhor”. Tal referência encontra suas raízes no Antigo Testamento, mais precisamente em I Samuel 26:11. Mas será que a interpretação literal deste versículo é a única e correta?
Surpreendentemente, é comum que líderes religiosos utilizem o conceito de “não tocar no ungido” como uma defesa contra críticas, com apelo à histórica renúncia de Davi em confrontar Saul. Porém, é essencial compreendermos que “tocar”, naquele contexto, tinha uma conotação física, como atentar contra a vida ou promover agressões.
Davi e Saul
Davi, apesar de não promover violência contra Saul, jamais se resignou às injustiças perpetradas por este. Ele contrariou as ordens do rei, manifestou-se contra sua tirania diante de todo o exército e, acima de tudo, demonstrou que a crítica ao líder, quando necessária e justa, não é uma afronta, mas um ato de coragem e devoção aos princípios bíblicos.
Aprendendo com Paulo
A saga de Paulo e Pedro, descrita em Gálatas 2:14, é outro exemplo de que questionar e até mesmo repreender líderes não é impróprio. Paulo não hesitou em reconhecer os erros de Pedro, desafiando a suposição de que os líderes devem ser intocáveis no que tange às críticas.
Então, qual seria a interpretação mais equilibrada de “não tocar no ungido”? Certamente, não se trata de manter-se omisso, temendo maldições infundadas. Denunciar injustiças e trabalhar contra um líder que prejudica as ovelhas de seu rebanho não apenas é um direito dos membros da comunidade religiosa, mas também é um dever.
Respeitar líderes religiosos não pressupõe concordar com práticas danosas ou negligenciar a relevância da crítica construtiva. Tocar no “ungido do Senhor”, no sentido de opinar, questionar e manifestar inconformidades, talvez seja mais do que adequado, é imprescindível para a saúde e o crescimento da fé.