Produtores rurais brasileiros têm a oportunidade de alcançar uma economia bilionária por meio da implementação de biodigestores, uma tecnologia que possibilita a produção de energia elétrica e biofertilizantes a partir dos dejetos da atividade pecuária. Essa prática já é uma realidade na bovinocultura de leite no país, embora ainda haja um baixo índice de adoção entre os produtores. As décadas de 1970 e 1980 testemunharam experiências frustradas, mas as empresas que persistiram com o sistema encontraram sucesso, gerando eletricidade na própria fazenda e, em alguns casos, comercializando o excedente para empresas de distribuição.
Apesar da aplicação limitada entre os produtores de leite, a utilização de biodigestores está em expansão, apresentando retornos financeiros positivos, conforme destaca Marcelo Henrique Otenio, pesquisador que coordena estudos sobre biodigestores na Embrapa Gado de Leite, localizada em Minas Gerais. Segundo ele, a tecnologia é economicamente viável para sistemas de produção com mais de oitenta vacas.
Na agropecuária brasileira, os produtores de suínos lideram a adoção de biodigestores, responsáveis por 14% da produção nacional de biogás, de acordo com o Centro Internacional de Energias Renováveis – Biogás (CIBiogás). Outros setores, como empresas farmacêuticas, de alimentos, bebidas e serviços de esgoto, contribuem com 51%, 25% e 6%, respectivamente, enquanto a pecuária de leite representa os 3% restantes.
O pesquisador Otenio destaca três formas pelas quais os produtores podem obter ganhos: produção de biogás para geração de energia elétrica, reutilização da água de lavagem do estábulo nos biodigestores e a produção de biofertilizantes provenientes do processo. Essa última contribuição é crucial, pois o Brasil é o quarto maior importador de fertilizantes do mundo, importando cerca de 75% desses insumos, muitas vezes caros e poluentes. O biofertilizante, derivado dos biodigestores, não apenas agrega valor ao negócio como também oferece uma solução sustentável para a gestão dos dejetos bovinos.
A sustentabilidade ambiental também é um fator importante, destacado pelo professor Jorge Lucas Júnior da Universidade Estadual Paulista (Unesp). Ele ressalta que a tecnologia é uma aliada tanto na suinocultura quanto na bovinocultura de leite, contribuindo para a redução dos gases de efeito estufa. O metano produzido pela biodegradação dos dejetos animais é convertido em energia, resultando em emissões menos prejudiciais à atmosfera.
O mercado de biogás no Brasil está em ascensão, impulsionado por tecnologias mais eficientes, agregação de valor aos negócios e o crescente interesse na proteção ambiental. A Empresa de Pesquisa Energética (EPE) estima que até 2030, o biogás pode representar um volume significativo de energia distribuída, comparável à energia solar, com a participação importante do setor agrícola.
A Embrapa, desde 2011, vem conduzindo pesquisas para otimizar o uso de biodigestores na pecuária de leite. A instituição instalou 12 biodigestores em escala laboratorial para avaliar a capacidade de geração de energia dos dejetos bovinos misturados a outros resíduos. Essa abordagem multidisciplinar envolveu uma equipe de pesquisadores e profissionais de diferentes áreas, explorando a codigestão para aumentar a eficiência do processo.
Experiências bem-sucedidas já estão em operação, como na Fazenda Bom Retiro, em Minas Gerais, onde mil vacas em ordenha e mil suínos alimentam três biodigestores, gerando receitas mensais substanciais em energia elétrica. Este caso exemplifica a transformação dos dejetos em recursos valiosos e a geração distribuída, impulsionando não apenas a autossuficiência da propriedade, mas também a possibilidade de comercializar o excedente.
A história dos biodigestores no Brasil inclui um período de tentativas nos anos 1970 e 1980, impulsionadas pelo Governo Federal como resposta à crise do petróleo. No entanto, obstáculos como a falta de linhas de crédito, adaptação de equipamentos e corrosão causada pelo gás sulfídrico levaram ao declínio desses projetos. Atualmente, esses problemas foram superados, com modelos mais eficientes, tecnologia própria para motores movidos a biogás e linhas de crédito disponíveis, como o Programa ABC do BNDES.
Um exemplo de biodigestor, o modelo canadense, custa cerca de R$ 300 mil reais para um sistema de aproximadamente 200 vacas. Esse sistema compreende tanques de equalização, principal (biodigestor), e de saída ou estabilização, além de componentes como caixa de areia, peneira separadora de sólidos e motogerador. O funcionamento desse biodigestor envolve a transformação da biomassa em metano e outros gases, que alimentam um motogerador convertendo a energia gerada para a rede interna ou para a geração distribuída.
Os biodigestores representam uma oportunidade significativa para os produtores rurais brasileiros alcançarem economias substanciais, gerando energia elétrica, reaproveitando água e produzindo biofertilizantes a partir dos dejetos animais. O aumento da eficiência, a valorização do negócio, a sustentabilidade ambiental e o apoio financeiro disponível posicionam essa tecnologia como uma alternativa promissora para o setor agropecuário, contribuindo para a construção de uma agricultura mais sustentável e economicamente viável.